Transição de Carreira #3 - Ir com medo mesmo e tornar-se um Capitão.
O medo faz parte, e se não estivesse falhando, não estaria me desafiando o suficiente.

Retornei ao Brasil em Abril 2023, comecei a namorar em Julho, o Cap faleceu em Agosto, em Outubro fui até a Inglaterra para o seu funeral, - sim, 2 meses depois.. os ingleses são diferenciados rs - em Novembro fiz o curso de capitão e em Fevereiro me mudei de mala e cuia para o Jubilate, que se encontrava em Gibraltar.
(no fim, não precisei sair do Brasil para fazer o curso que queria. Descobri que tem em São Sebastião - SP, uma escola que oferece o YachtMaster: a Azimuth)
Agora a brincadeira começava a ficar séria. Eu, que não consigo cuidar nem de mim direito, no comando de um barco, tomando decisões e sendo responsável pela vida de todos a bordo. É bem diferente de viajar como tripulante.
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Se estava com medo?
Nessas horas, quando a insegurança fala alto, me lembro da frase que virou o meu mantra. No livro 100 Dias Entre Céu e Mar, enquanto Amyr Klink deixava a Namíbia em direção ao Brasil, sozinho em um barco a remo, escreveu em seu diário:
“Se estava com medo? Mais que a espuma das ondas, estava branco, completamente branco de medo.”
Me sentia assim quando apresentava projetos importantes no Design e nos jogos dos campeonatinhos de futebol.
Acho que foi o Zidane quem falou:
“no dia que eu parar de sentir um frio na barriga antes das partidas, eu paro de jogar bola”.
E foi com medo mesmo que cruzei todo o Mediterrâneo até Montenegro e passei 6 meses seguidos só em ancoragens.
Antes de receber clientes no Jubilate e viver de charters (passeios de barco), precisava aprender a ser um capitão - não apenas ter a credencial de um.
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Um bom trabalho em traumatizar a Bella
Morar no mar é estar à mercê dos elementos. Não há como enfrentá-los e só resta se adaptar. Mudar a ancoragem de acordo com a previsão dos ventos e ondas.
Cada dia é uma nova oportunidade para situações inusitadas, e aconteceram coisas que em 2 anos e meio dando a volta ao mundo eu não tinha vivido.
Nosso estai da proa quebrou, a âncora começou a ser arrastada às 2h da manhã, à caminho das pedras. O motor parou de funcionar, bactéria no diesel, tempestades de raios…
A primeira vez que a Bella pisou em um veleiro foi no Jubilate. Ainda está descobrindo essa nova vida e esteve comigo em vários desses episódios, inclusive na sua primeira velejada.
Sim, fiz um bom trabalho em traumatizá-la. E ela fez um bom trabalho em se mostrar resiliente e se adaptar.
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CEO do barco
Capitão não é apenas navegar o barco e dar ordens. É fazer com que seus convidados e tripulantes se sintam à vontade. É tomar decisões, mas de uma forma que os outros se sintam participantes no plano, escutando suas opiniões e preferências. É acatar sugestões, fazer intermediações, admitir que errou, pedir desculpas. Rir de si mesmo. É estar pronto para ajudar a todo momento, é ter paciência. É zelar pelo respeito, pela segurança, mas sem deixar a diversão de lado. Comprar as provisões. Averiguar-se de que toda a manutenção necessária está em dia. É saber que todos erram, que danos materiais são apenas materiais. É não cometer os mesmos erros. Transmitir confiança. Dedicar-se para manter a moral da tripulação elevada. É trabalhar mais que todos.
Me lembro de quando participei de um programa de aceleração de Startups em 2016, quando representava uma empresa que visava reduzir as filas das urgências dos hospitais.
(Imagina abrir um app e, de acordo com os filtros: plano de saúde, distância e lotação, saber para qual hospital se dirigir. Não deu certo por inúmeras razões. Já se passaram quase 10 anos e ainda não vi algo similar, mas até hoje considero uma ideia genial, com potencial de salvar vidas)
Diversas vezes recebemos palestrantes, e eles, para se familiarizarem com o público, perguntavam o nome da empresa e o cargo.
Muitos respondiam “CEO”.
Chief Executive Officer, um termo mais utilizado em grandes empresas multinacionais.
Um dos colegas, à frente da sua corporação mas recusando toda a elegância e charme do nome, se apresentou como “o zelador da empresa”. Muito mais apropriado para um pequeno empreendimento.
É isso, o capitão de um barco de 47pés é um faz-tudo. Sem glamour.
E parte do seu trabalho é lidar com os traumas que você mesmo infligiu na sua tripulação, enquanto tentava se tornar um capitão. rs...
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Obrigado pela leitura! 😊
Wow! Gostei da tua visão de vida e como lidou com o medo, Bruno! Falei sobre medo na minha última newsletter aqui e teu texto exemplifica muita coisa. E adorei que trouxe essa citação do Amyr Klink para relembrarmos aqui que, mesmo com medo, há escolha e há beleza.