Jubilate Mare #05 - Transição de carreira e as linhas tortas do meu 2024
A mosquinha que buzina no meu ouvido o tempo todo, grita a urgência de ganhar dinheiro e construir patrimônio. A vagarosidade que habita em mim me dá um desconto...
É início de Dezembro (sim.. só um pouco atrasado, eu sei 😅 ), vejo os sinos de pisca-pisca pendurados por cima da rua e com eles, o final do ano escancarado nas vitrines. A ovelhinha do presépio me encarando e o boneco de neve da árvore de Natal a julgar todas as minhas decisões.
Quando vai chegando Outubro e os primeiros enfeites vermelho e verde saem do fundo do armário anunciando o final de mais um ano, o sentimento é sempre desesperador.
Para mim, se iguala à voz do Faustão aos domingos. Eu não assistia, mas invariavelmente ele ecoava de uma TV qualquer até os meus ouvidos. “Que saco, amanhã já é segunda”.
O cartaz da antiga Black Friday me lembra que eu me propus a transicionar de carreira, mas que ainda não tinha conquistado quase nada financeiramente naquele ano inteiro.
A mosquinha que buzina no meu ouvido o tempo todo, grita a urgência de ganhar dinheiro e construir patrimônio. A vagarosidade que habita em mim, me dá um desconto. Os últimos capítulos da minha existência foram muitos malucos:
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2024, capítulo 1
Um lugar que só existia nos livros de geografia e nas aulas de história das Guerras Mundiais, como um território estratégico para dominar as águas do Mediterrâneo.
Um território britânico de uma cidade só. Tão pequeno que você precisa atravessar a pista de pouso do único aeroporto para chegar até a fronteira com a Espanha.
No 1º dia, em uma tarde, dei a volta completa no “país”. Em 3 dias, já havia explorado todos os pontos turísticos.
3 meses depois, morando no Jubilate, estava ansioso para finalmente tirar o barco da marina e navegar pela primeira vez como capitão.
Julgava que todos os preparativos haviam sido executados. Mas após 1 ano sem velejar, a falta de ritmo e a ferrugem incrustada em meu corpo, me levaram a quebrar o estai de proa.
Na primeira velejada da minha namorada, um grande susto. A estrutura do mastro havia sido abalada juntamente com a confiança que a Bella depositava em mim.
Com sorte, era um dia calmo e estávamos próximos de uma marina com vaga disponível.
Chegando lá, imediatamente a comunidade da vela honrou sua reputação e recebi toda a ajuda possível dos meus novos vizinhos.
Eu havia colocado-nos em uma situação em que corríamos o risco do mastro quebrar.
Parte fundamental de um veleiro, se um mastro cai, é quase certo que ele danifique o casco. E se o casco quebra… é não gosto nem de pensar no que poderia ter acontecido.
A Bella deve ter repensado todas as suas decisões na vida.
O acidente me levou à vergonha.
Mas me levou também à Estepona, a cidadezinha com a marina mais próxima na hora do infortúnio. Cidade dos becos com as plantinhas nas paredes.
Onde permanecemos 3 semanas parados à espera de novas peças. Tempo de muita contemplação de jardins alheios, paciência e aprendizado.
Não foi a primeira vez que errei, não será a última. Mas dessa forma, certamente não acontecerá de novo.
Ninguém se machucou, e o Jubilate provou-se mais uma vez capaz de cuidar de nós quando mais precisamos e seguimos vivos e vivendo, isso é o que importa.
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2024, capítulo 2
Um velho amigo apareceu para me ajudar. De uma vida passada, época que ainda estagiava e compartilhava meus planos mirabolantes de moradia em veleiros e passagens oceânicas com colegas de trabalho.
“Vive no mundo da lua”, deviam pensar.
Mas não tinha vergonha em anunciar meus desejos ao Universo. Para não pegá-lo desprevenido e ele tivesse tempo hábil para ir preparando o terreno do caminho que iria percorrer em breve.
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Meu pai reforça a cavalaria e se junta ao time. A estreia de ambos a bordo de um veleiro. E eu pela primeira vez, a comandar um barco em longas travessias.
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2024, capítulo 3
A necessidade burocrática de não passar mais de 90 dias na zona Schengen me levou a Montenegro.
Cidades medievais, muralhas milenares e o verão no Mediterrâneo a cozinhar meus órgãos por dentro.
🥵🥵🥵
Meus hobbies eram: passar em uma das duchas públicas de alguma praia de concreto deles - antes e depois de absolutamente tudo que fosse fazer - aproveitar o ar condicionado de uma cafeteria e tomar bastante água.
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Lá recebi meus primeiros clientes no Jubilate, minha casa se transformando no meu meio de subsistência. Naquela época, ainda no modo MVP. Um teste e uma consagração. Conduzir pessoas para uma viagem inesquecível, explorar lugares fantásticos e ainda receber dinheiro em troca. Posso ser feliz assim :)
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2024, capítulo 4
Uma volta ao mundo em um veleiro.
“O que mais eu poderia querer do universo?”, refleti enquanto ainda estava em minha viagem de circunavegação e realizava o meu maior sonho.
Já fazia o que eu mais queria nessa vida, mas ainda sentia falta de conexões profundas.
Almejei um dia ter meu próprio barco e poder compartilhar daquele momento com a minha própria companheira de aventuras, exatamente como o Cap e a Bee. E também com minha família e amigos. A liberdade que um veleiro proporciona, com a companhia que eu bem entendesse, no meu tempo, meus termos.
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1 ano e 3 meses depois da minha viagem de circunavegação, me encontrava no mesmo Jubilate com meu pai, meu primo e minha namorada, em uma travessia de Montenegro para Maiorca.
Fazendo o que amo, cercado de conexões profundas ❤️
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2024, capítulo 5
Chegada em Maiorca, após 1000MN, a tempo para honrar e celebrar a vida de quem me proporcionou isso tudo.
Bee preparou uma homenagem, exatamente 1 ano após sua morte, no exato hotel, de onde respirou pela última vez.
Não vive, mas no Jubilate, é muito presente. Por toda a parte enxergo-o em pequenas adaptações para facilitar a vida no mar, que ele espalhou pelo barco.
“Eletrônicos adicionam complexidade”, escutei do Doug, um norte americano que dava a volta ao mundo sozinho, em um pequeno veleiro. Não querendo perder tempo com reparos, nem geladeira tinha.
“Eletrônicos adicionam comodidade”, rebateria o Cap.
Rios gigantes de fios elétricos passam por baixo do sofá e do chão, com suas nascentes, riachos e córregos.
Uma miscelânea de cores, fusíveis e relés.
Muito bem organizados. Fixados, para que os cabos não balancem com o movimento do barco e nomeados. O Cap tenta me ajudar.
Meu pai também tenta me ajudar - instalamos juntos toda a parte elétrica do 2° andar da sua nova casa reformada. Mas a lógica simplesmente não entra na minha cabeça de reles mortal de Humanas.
Vou ter que aprender na marra. Paciência. Um passo de cada vez.
Ainda encontro por aqui em fundos de gavetas e armários, desenhos de projetos de circuitos elétricos. Me parecem importantes, mas o tecnicismo do assunto somado à letra ilegível do Cap, fazem-me sentir como é ser analfabeto. Suas anotações são para mim como folhas soltas do diário de DaVinci. Frases inteiras escritas da direita para a esquerda com rascunhos de alguma invenção maluca.
Lindo e enigmático.
…
Um barco-escola.
Faculdade, Pós, Mestrado, Doutorado e PDH. Tudo de uma vez só. Muito a aprender.
Velejar e saber como se comportar em tempestades é a parte fácil.
O difícil é toda a manutenção, elétrica e mecânica. Tudo que envolve a preparação do ato de velejar em si, inclusive o planejamento das travessias. E a prática, claro, que foge de todos os planos.
Baby steps.
Mas o Cap está por aqui, ainda a me orientar com seu exemplo. Sua paciência e o sorriso naqueles olhinhos verdes, empolgado a desvendar o mistério de outro equipamento que parou de funcionar.


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2024, capítulo 6
Após 6 meses vivendo em ancoragem, o fim do ano no Mediterrâneo trouxe com ele ventos fortes, dias molhados e o frio.
Nunca havia passado o inverno ancorado. O medo do desconhecido, e a busca por segurança e conforto, trouxeram-me a Barcelona.
Terra de Antoni Gaudí, com sua Sagrada Família. Um espetáculo arquitetônico que me deixou 2h e meia atônito e me fez querer ficar ainda mais.
Nunca pensei que o teto de uma Igreja fosse me fazer chorar.
Me faz bem estar no mar, mas também é bom estar de volta à terra firme e a uma rotina mais consistente. Barcelona possui uma comunidade grande de brasileiros e é gostoso achar polvilho azedo para fazer pão de queijo 🥰
Sempre que conhecia sul-americanos pelo mundo, tinha vergonha de me comunicar melhor com eles em inglês do que em espanhol, a língua da maioria dos nossos vizinhos.
Prometi a mim mesmo que a minha próxima grande aventura seria pelo nosso continente para me conectar com minhas raízes.
O destino quis que não fosse pelas Américas mas estou feliz de estar aprendendo o idioma.
2024 foi um ano de aprendizado, adaptação e organização.
Que em 2025 tenhamos saúde e sabedoria para colher os frutos.
Amém.
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Para concluir,
um trecho do poema Biographia Literária, de Paulo Henriques Britto:
“(...) E não renego a rota tonta que segui. Ninguém se faz em linhas retas. Todo porto a que se chega é a meta desejada. E o caminho tomado, por mais torto, acaba sempre sendo a exata estrada a dar naquilo que, afinal, se é. Assim, todo e qualquer passado, até o que se esqueceria, se pudesse, vai pouco a pouco virando uma espécie de bala que se chupa com deleite, mesmo se azeda. Isso, chupe. Aproveite.”
Ninguém se faz em linhas retas.
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Obrigado por ler e um feliz ano novo atrasado para todos! 😊
do latim, Jubilate Mare.
Em uma tradução livre: Aproveitando o Mar 🏴☠️