Transição de Carreira #4 - A ideia que não sai da cabeça, o medo de começar e a busca pela felicidade
Há 9 anos incentivei um amigo a pedir demissão do cargo concursado, com estabilidade e bem remunerado, para virar instrutor de apneia no Egito. Hoje, menos irresponsável, dei uma resposta diferente.

De repente virei referência para planos de viagens mirabolantes e vira e mexe alguém me manda uma mensagem. E eu amo! rs
A primeira vez que me lembro de um amigo com um frio na barriga, compartilhando ideias fantásticas, foi no meu estágio durante a faculdade de Design. A gente trabalhava em uma empresa do estado de Minas Gerais. Para mim, algo temporário. Apenas um trampolim até a próxima oportunidade, para ele, um cargo concursado, com estabilidade, benefícios e bem remunerado.
Isso foi em uma vida passada, quando ainda não tinha me embrenhado pelos mares do planeta. Mas já falava em voz alta sobre morar um dia em um veleiro e acho que ele me enxergou como alguém que não iria julgá-lo.
Na tarde de uma terça-feira, durante uma pausa para um cafezinho, começou a me revelar seus planos. Pediria demissão e iria para o Egito, fazer um curso de apneia e virar instrutor de free-diving.
Rapidamente a notícia ganhou pernas e começou a subir os andares da empresa, chegando até a nossa diretora. Ela já me conhecia desde antes e, ao escutar a fofoca, perplexa e temendo que ele pudesse fazer uma escolha da qual se arrependeria, disse imediatamente ao seu assessor:
“o Eduardo não é amigo do Bruno? Fala pro Bruno colocar um pouco de juízo na cabeça dele!”
“Fernanda! O sonho do Bruno é morar em um veleiro!”, respondeu o assessor, indignado. Mas não pela ambição profissional exótica do Eduardo, mas sim por ela ter me cogitado como uma referência de bom senso - ele também me conhecia, rs…
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Fui o primeiro a falar “vai mesmo!”. E fiquei tão empolgado como se fosse eu mesmo a embarcar na minha tão sonhada primeira travessia oceânica.
Mas há 9 anos, eu era um pouco mais irresponsável.
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Uma ideia fixa, depois outra
Outro dia um amigo me mandou um áudio - quase um Podcast - contando de uma ideia de viagem que ele gostaria muito de executar: fazer a PCT (Pacific Crest Trail). Uma trilha que vai do México ao Canadá, passando por toda a costa do Pacífico, nos EUA.
Passaram-se alguns meses e ele me enviou outro áudio-book, dessa vez atravessaria a Europa de bike. Já tinha pensado em tudo, quantos meses iria durar a aventura, quantas horas de pedalada por dia. Iria passar por tais países e dormiria assim e assado. Já sabia dos gastos com a bicicleta e já tinha até pensado no livro que publicaria depois.
Mas estava inseguro, com medo da opinião alheia, medo de largar o emprego, medo da reação de sua companheira.
Não conseguia tirar essa ideia da cabeça e me perguntava o que achava daquilo tudo e como eu tinha lidado com essas questões.
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Imaginei-o no meio do seu emprego, postergando suas atividades para pesquisar sobre cicloviagens. Criando planilhas de custos, selecionando a rota ideal, mirabolando metas e planos. Perguntando pro Google, qual o melhor selim para horas seguidas de viagem, por vários dias consecutivos.
Claramente, ele sentia uma inquietação na alma. Um chamado.
Eu sei. Já estive lá também.
Mas dessa vez, com um pouco mais de juízo - e não querendo incentivar ninguém a largar sua vida - dei uma resposta diferente.
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Se algo não sai da sua cabeça, deve ser um sinal
Contei-lhe de quando eu mesmo tinha uma dúvida dessas, de não conseguir tirá-la da cabeça. Foi logo após a travessia do Atlântico, em 2018. A viagem foi muito diferente das minhas expectativas - obviamente - mas tinha sido uma das melhores experiência da minha vida mesmo assim. Porém, senti que não estava ali totalmente de corpo e alma. Me privei de algumas coisas por estar namorando.
Quando retornei para o Brasil, já tinha me decidido que eu permaneceria apenas o suficiente até ter dinheiro para a próxima travessia. Já tinha feito uma vez, agora eu já sabia o caminho das pedras. E na próxima, gostaria de estar totalmente presente de corpo e alma.
Sabia que ela queria um dia se casar. Na Igreja e tudo. Eu já não tinha essa certeza. Não sabia se queria permanecer com a mesma pessoa pro resto da vida e constituir família.
Quando me imaginava no futuro com ela, me via feliz. Mas também me enxergava frustrado por não ter aproveitado a minha juventude - começamos a namorar quando eu tinha 22 e já estava com 29.
Sentia uma inquietação na alma. Queria explorar o mundo, em todas as conotações e âmbitos que vêm com essa frase. Mas também me sentia muito conectado a ela.
Fiquei meses pensando se terminava ou não. Ia dormir pensando nisso e acordava pensando nisso.
Ruminei tanto a ideia até chegar ao ponto de começar a ter insônia - eu nunca tinha insônia. Então, privado de sono e não aguentando mais, chamei-a para conversar e expus o que estava acontecendo. Pela minha própria saúde emocional, precisei tirar a ideia da cabeça.
Foi um término difícil, por um longo período me perguntei se tinha tomado a decisão correta. Quando estava no ponto mais solitário da minha vida, na trilha da Nova Zelândia (por 3 meses atravessei a pé toda a extensão da Ilha Sul), liguei para ela quando vi o anúncio de seu noivado no Instagram - mas isso é assunto para outro texto, se um dia tiver coragem de publicar esse sincericídio por aqui.
Hoje, com a distância temporal, fica mais fácil de entender que fiz o que tinha que fazer.
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Deu tudo errado, mas foi bom
Outra história que compartilhei com ele, foi o Bruno (um brasileiro que conheci na Nova Zelândia) quem me contou. Seu amigo da República Tcheca conheceu uma colombiana durante uma viagem de verão. Ficaram juntos por alguns dias e depois voltaram para suas respectivas casas. Ela, na Colômbia. Novák, na Nova Zelândia. Basicamente a maior distância possível no planeta Terra. O checo passou semanas amaldiçoando o Oceano Pacífico que o separava da garota da sua vida. Por meses nutriu um amor platônico. Quando sentava com amigos no bar, só falava da Beatriz.
Mais uma vítima da ideia fixa que não saía da cabeça.
Um dia, conversando com o Bruno à beira da praia, cogitou pegar a sua prancha e ir até o mar, mas logo deixou o pensamento de lado “as ondas nem estão tão boas assim”, e “está meio frio”. Papo vai e papo vem, o sol se pôs e ele não entrou na água.
“Poxa, devia ter ido surfar…”, desabafou ao afastar-se da praia, com os lábios arqueados para baixo.
Bruno, não aguentando mais o amigo monotemático, sugeriu:
“Você devia pegar o próximo avião e ir vê-la. Se não, daqui a anos, vai estar lamentando não ter ido atrás daquela colombiana que conheceu naquele verão em Ibiza. Vai se arrepender igual a não ter entrado no mar hoje pra surfar.”
Novák pegou o avião.
Chegou na Colômbia, encontrou com a Bia, ̶ ̶p̶̶̶e̶̶̶r̶̶̶c̶̶̶e̶̶̶b̶̶̶e̶̶̶u̶̶̶ ̶̶̶q̶̶̶u̶̶̶e̶̶̶ ̶̶̶e̶̶̶l̶̶̶a̶̶̶ ̶̶̶s̶o̶l̶t̶a̶v̶a̶ ̶p̶u̶m̶ ̶̶̶f̶̶̶e̶̶̶d̶̶̶o̶̶̶r̶̶̶e̶̶̶n̶̶̶t̶̶̶o̶̶̶ ̶̶̶i̶̶̶g̶̶̶u̶̶̶a̶̶̶l̶̶̶ ̶̶̶a̶̶̶ ̶̶̶t̶̶̶o̶̶̶d̶̶̶o̶̶̶ ̶̶̶m̶̶̶u̶̶̶n̶̶̶d̶̶̶o̶̶̶, viu que suas expectativas criadas não seriam correspondidas e voltou para o país dos kiwis.
Sua viagem tinha sido péssima, mas pelo menos nunca iria se arrepender por não ter tentado.
E tirou a ideia da cabeça.
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Encontrando a felicidade
Mas não quero aqui sair incentivando todo mundo a largar suas carreiras, como se a felicidade morasse no emprego ao lado.
Até porque não encontrei a minha própria felicidade na volta ao mundo. Mas esse também é um papo para outro texto.
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Até a Jout-Jout disse não ter encontrado a dela, “saindo da internet”.
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Quanto ao Eduardo? Largou tudo, foi pro Egito e começou as aulas de apneia. Mas é importante ressaltar que também não foi bem o que esperava e desistiu do curso.
Mas se apaixonou. Mudou-se para as Ilhas Canárias, e hoje tem 2 filhos e trabalha recebendo muito mais do que no cargo concursado, e em Euro.